O TREM E A CIDADE: O DISCURSO DO PROGRESSO EM IPU (1890-1930)
Resumo
Este trabalho aborda alguns aspectos importantes da relação existente entre a ferrovia e as “transformações” urbanas, sócio-econômicas e culturais ocorridas na cidade de Ipu entre 1894 até a década de 1930. Para a tessitura do trabalho utilizamos como fontes discursos oficiais, artigos e livros de cunho historiográfico e literário (poesias), almanaques, estatutos das associações ou agremiações elitistas, revistas e jornais. Buscamos analisar como a partir daquelas transformações operadas nas primeiras décadas do século XX em função, mesmo, da ferrovia, a elite local, ou os agentes do poder público, criaram representações que apontavam para o fato de que a cidade estava “civilizando-se”, “modernizando-se”.Downloads
Referências
Este artigo é parte da monografia de Especialização apresentada ao programa de pós-graduação lato sensu da
Universidade Estadual Vale do Acaraú (UVA) em junho de 2007.
O autor é graduado em História pela Universidade Federal Fluminense, pós-graduado (lato senso) pela UVA (Teoria e
Metodologia da História) e Mestrando do Mestrado em História (MAHIS) da Universidade Estadual do Ceará (UECE).
A orientadora é Professora Assistente do curso de História da Universidade Estadual Vale do Acaraú – UVA.
Discurso pronunciado pelo Dr. Antonio Ibiapina, em 10 de outubro de 1894 por ocasião da inauguração da Estação
Ferroviária de Ipu. Não encontramos ainda registros seguros que possam apontar corretamente de quem se trata. Em
documento pouco legível parece ser tratar do Juiz de Direito da Comarca, mas ao que tudo indica parece tratar-se do
Intendente da Cidade.
Id. Ibidem.
Id. Ibidem.
Trecho do discurso de Humberto Aragão, prefeito municipal, em 1944, em comemoração ao cinqüentenário da estação
ferroviária. Documento do acervo particular de Maria do Socorro Paz. Ipu, 2003.
Entendendo a elite ipuense enquanto um grupo de pessoas que controla o poder político e que era dominante na cena
local, ditando as regras não apenas relativas ao poder, mas também relativa às regras econômicas e sócias.
SEVCENKO, Nicolau. Literatura como missão: tensões sociais e criação cultural na Primeira República. São Paulo:
Brasiliense, 1999.
CHARTIER. Roger. A história cultural: entre práticas e representações. 2a Edição. Lisboa: Difel. 2002, p. 17.
Id. Ibidem, p. 18.
GIRÃO, Gloria Giovana S. Mont’alverne. As Transformações Socioculturais em Sobral (1870-1920). Dissertação de
mestrado. Centro de Ciências Humanas da Universidade Federal de Pernambuco. Recife, 2001.
Local onde teria surgido o povoado que mais tarde daria origem à cidade de Ipu.
Discurso pronunciado pelo Dr. Ibiapina. Op. cit.
Id. Ibidem.
Id. ibidem
LE GOFF, Jacques. Op. cit.
Desde fins do século XIX que vários documentos, sobretudo, de intelectuais como são os casos de Thomaz de
Aquino Correia e nos primeiros anos do século XX, de Eusébio de Sousa, apresentam a natureza ipuense como
encerrando em seio uma riqueza incalculável. Para que a cidade atingisse o “progresso” bastaria o trabalho operoso de
seu povo. No entanto para aqueles intelectuais o “povo” ipuense, excetuando seus intelectuais “esclarecidos”,
“civilizados”, naquele momento, era ainda “indolente”, “pobre”, “preguiçoso”, “ignorante”. Escrevendo em 1915,
Eusébio, após mostrar as incontáveis riquezas do município, concluía “Apparelhado de taes elementos, um futuro
promissor está reservado ao Ipu”. No entanto, se o progresso ainda na era uma realidade da cidade, mais apenas um
devir, isso se deve, segundo Eusébio, ao fato de que toda essa riqueza natural de que dispõe a comarca está à margem da
“ignorância” de seu povo, talvez de “sua pobreza” e até de sua “indolencia”: “(...) toda essa riqueza de productos
naturaes espalhada pelo territorio da comarca parece escarnecer da ignorancia ás vezes, outras da pobreza e até
finalmente da indolencia mesmo de seus habitantes, pois que, em regra, a fauna, a flora, os mineraes, poem-se ahi ao
alcance do braço de cada qual”.(grifo do autor). SOUSA, Eusébio. Para a Historia (Chronica do Ipú). Revista do
Instituto do Ceará. Tomo XXIX Ano XXIX, 1915, p. 211.
Sobre a origem do nome do bairro do Corte Francisco de Assis Martins diz o seguinte: “Recebeu esse nome face um
confronto topográfico que a cidade oferece de duas barreiras que ladeiam uma parte da linha de ferro com
aprofundamento aproximado de 5 metros. No topo das barreiras se formaram várias casinhas dando início a formação
de uma população que se tornou residente no Bairro hoje chamado de corte”. MARTINS, Francisco de Assis.
Monografia de Ipu. Produção independente. Ipu, 2001. P. 11.
RODRIGUES, Herculano José (Dir) Almanaque Ipuense.para o ano de 1900. Manuscritos datilografados. Editado
em 1899.
SOUSA, Eusébio. Um pouco de historia (Chronica do Ipu). Revista do Instituto do Ceará. Tomo XXIX Ano XXIX,
, p. 198.
ARAÚJO, Raimundo Alves de. Ipu: Da Ocupação do Espaço Urbano ao Campo de Concentração. Monografia de
graduação do curso de história da UVA.Sobral, 2003. P. 27.
QUEIROZ, Rachel de. O Quinze. 74a edição. Rio de Janeiro: José Olimpio, 2004, pp. 56-57.
PAZ. Francisco das Chagas. Ésta, minha terra. Ipu: produção independente, 1981, pp. 143-150.
ARAGÃO, Antônio Tarcizio. Resgatando Memórias. Jornal dos Tabajaras. Ipu: 1995, p. 3.
Cf HOBSBAWM, Eric J. A Era do Capital. Op. cit; Ver ainda HOBSBAWM. Eric J. Da Revolução Industrial
Inglesa ao Imperialismo. Op. cit; e LANDS, David S. Prometeu desacorrentado. Transformação tecnológica industrial
na Europa ocidental, desde 1750 até nossa época. Rio de Janeiro: Nova Fronteira,1994.
LE GOFF. Jacques. Progresso/Reação. IN: História e Memória. 5a ed. Campinas, São Paulo: Editora da Unicamp.
(pp. 235-281).
Quanto falo em um “grupo progressista” estou me referindo principalmente à elite política local. Entre eles nem
sempre há consenso sobre o que deveria ser progresso para a cidade, mas todos estavam de acordo quanto à noção de
que na década de vinte, e para a maioria , mesmo antes, o progresso material já era uma realidade local. Abílio Martins,
bacharel em direito, deputado estadual por duas legislaturas e chefe de polícia e segurança pública do Estado do Cearáno governo de Justiniano de Serpa. Eusébio de Sousa, bacharel e Juiz de Direito da Comarca de aproximadamente 1910
a 1920, e Thomaz de Aquino Correia, Coronel, comerciante e farmacêutico prático. são os membros mais destacados
desse grupo. Esse grupo girava em torno da “oligarquia” dos Martins que dominou a cena política local desde a
montagem da oligarquia Aciolina até pelo menos 1930.
Fundaram e dirigiram o Correio do Norte, Abílio Martins, Eusébio de Sousa e Thomaz Corrêa. Era o porta-voz do
grupo que controlava o poder local e que apoiavam os governos estaduais situacionistas dentro da política oligárquica.
O jornal expressava seus valores modernos e seus ideais políticos. Circulou em toda a região Norte e foi pensado que
esse objetivo. Em 1917 foi fundada em Ipu a primeira tipografia, vinda de Sobral, para imprimir aquele jornal. Durante
os quase seis anos que circulou (1928-1924) contou com os trabalhos editoriais, primeiro dos seus três fundadores,
contando com o apóio de Chagas Pinto, o Cel. Manuel Dias Martins e depois João Bessa Guimarães. Daqueles mais
ligados ao grupo fundador estão Joaquim Lima, Abdoral Timbó,Apolônio de Barros e outros. Todos faziam parte da
máquina administrativa local. Tinha o objetivo de consolidar uma visão política e um projeto também político.
Jornal crítico, Noticioso, Imparcial e Critérioso” e anônimo, sabemos hoje que era impresso na Tipografia do Campo.
Tinha como lema “divertir a franga e salgar o galo”. Como era um jornal moralista, conservador, e que atacava os
“maus-costumes locais” (a prostituição, o jogo, os namoros em público etc) de forma violenta, levantamos a hipótese de
que era escrito pelas mesmas pessoas que assinavam as matérias do Correio, já que era impresso na Tipografia do
Campo, fundada para imprimir o Correio. O anonimato lhes dava liberdade para ataques violentos aos costumes locais
que achavam que deveriam ser banidos, pois iam contra seus ideais “liberais”, “progressistas”, “civilizados” e
“modernos”. No Correio se faziam as mesmas críticas, mas não tão violentas como nos jornais pilhéricos impressos no
mesmo local. Ambos foram fundados por “liberais” com pensamento conservador. A modernidade buscada era
conservadora. Nada mais contraditório.
Array!! O Bezouro. Ipu, p. 1-2. 1o jan. 1919.
Idem. P.1-2
O Gabinete foi idealizado em 1918, mas instalado em 1919. Na Revista dos Municípios, op. cit., lê-se: “Na sessão
ordinaria de Assembléia Geral do ‘Gremio recreativo 7 de Setembro’, realizada a 27 de Outubro de 1918, foi aventada
pelo Dr. Francisco das Chagas Pinto a idea de criação de um ‘Gabinete de Leitura’ (...)”. P. 41. Antes na página 33 há a
informação de que o Gabinete de Leitura foi fundado “pelo saudoso Dr. Abílio Martins”.
Sobre essa associação, quando ainda era Grêmio Recreativo 7 de Setembro sabemos muito pouco, quase nada. Deve
ter sido fundada em 1918. Nesse ano já aparece na documentação, mas antes dessa data não.
SEVCENKO, Nicolau. Literatura como missão: tensões sociais e criação cultural na Primeira República. São Paulo:
Brasiliense, 1999.Op. cit., p. 29.
Correio do Norte, Ipu, p. 2, 1o jan, 1920 (CN 1° de jan de 1920, p.20).
O Correio do Norte quase não deu destaque aos efeitos da seca no município. Só o fez para cobrar obras para o
município e bem próximo às eleições estaduais de 1920. Por ironia e não por coincidência as obras foram liberadas um
pouco antes das eleições. Com o início das obras, durante todo o ano de 1920 o jornal não fez nenhuma menção aos
efeitos da seca na localidade.
E. de Rodagem Ipu-S. Benedicto. Correio do Norte. Ipu, p. 1. 29 jun, 1920.
Id. Ibidem.
Como evidenciamos anteriormente, desde fins do século XIX que se construiu um discurso de que a “natureza
exuberante” da cidade escondia riquezas incalculáveis, de que a cidade de Ipu era um “Oásis no meio do deserto” do
“sertão”...
Uma idéia Grandiosa no Interior Cearense. Correio do Norte. Ipu, p.1, 13 jan 1921.
MAUSS, Marcel, “Divisions et proportions de la sociologie”, Année sociologique. Nova Série, 2, 1927. Apud,
CHARTIER, Roger. Op, cit, p. 18.
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